As aventuras de um poeta no Vale do Rio Madeira em 1910

Aníbal Teófilo deixou esposa e filhos na Bahia para seguir rumo à Amazônia, em 1903

Em 2025, completam-se exatos 115 anos desde que um personagem singular desembarcou na região do atual município de Porto Velho, capital de Rondônia. Aníbal Teófilo nasceu em 1873, na Fortaleza de Humaitá, em solo paraguaio, durante os últimos anos da Guerra do Paraguai. Filho de um oficial gaúcho do Exército e de uma mulher paraguaia, foi criado no Rio Grande do Sul, antes de partir para o Rio de Janeiro, então capital do Império, onde ingressou na carreira militar.

Formado pela Escola Militar da Praia Vermelha, participou da Revolta da Armada (1893–94) como cadete. Ainda jovem, abandonou as forças armadas e passou a viver de sua erudição e vocação literária. Atuou como professor em diversas localidades: Salvador (BA), Alto Purus (AC), Humaitá, Manicoré (AM) e Santo Antônio do Rio Madeira (MT) — esta última extinta em 1945, quando foi incorporada a Porto Velho. Entre 1903 e 1911, percorreu comunidades ribeirinhas da Amazônia, estudando idiomas, filosofia e mergulhando na obra de Luís Vaz de Camões, seu poeta de referência.

Em 1910, Aníbal serviu como agente fiscal na vila de Santo Antônio, em plena efervescência da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Embora não tenha presenciado sua inauguração, em 1912, há registros de sua amizade com ferroviários e de sua presença constante nos bares e praças da região, onde declamava versos com a voz potente herdada dos pampas.

Seus poemas foram publicados em jornais de Humaitá e Manaus, e há registros de que anunciava, pela imprensa, o desejo de viajar à Europa para editar dois livros já prontos. Além da escrita refinada e da força física, chamava atenção pelo sotaque gaúcho, que o acompanhava como marca pessoal.

De Canudos à Amazônia

Antes de chegar à Amazônia, Aníbal viveu outras tantas aventuras. Casou-se aos 23 anos, em 1896, no Ceará, com Liberalina, uma jovem de 15 anos, com quem teve três filhos em Salvador. O casamento durou pouco. Em 1897, alistou-se como voluntário no 9º Batalhão e marchou para a Guerra de Canudos, no sertão baiano. Recebeu o título de capitão honorário.

A experiência em Canudos o marcou profundamente. O massacre dos seguidores de Antônio Conselheiro, que culminou na morte de cerca de 25 mil pessoas, o atormentou até o fim da vida. Arrependido, decidiu recomeçar na Amazônia — sozinho, sem esposa nem filhos — em busca do eldorado prometido pelo Ciclo da Borracha.

Passou fome, dormiu ao relento, enfrentou doenças e dificuldades. Mas sobreviveu. Era um idealista. Um poeta.

“Não há quem, no Rio Madeira, tenha conhecido o saudoso poeta Aníbal Teófilo que deixe de recordar-se da sua figura simpática e daquela sua boemia tão característica em homens de espírito igual ao seu. Aníbal foi nestas paragens um itinerante.” (Jornal Alto Madeira, 13 de junho de 1920)

Durante a Belle Époque tropical, com seus cinemas, cabarés e teatros, Aníbal circulava entre os trabalhadores da ferrovia, declamando versos e escrevendo em guardanapos. Porto Velho ainda era um acampamento, e Santo Antônio, o centro da vida regional.

O poeta errante

Em certo momento, conseguiu juntar algum dinheiro e adquiriu uma partida de borracha, que levou a Manaus. Lá, comprou um automóvel conversível e vendeu a mercadoria pelo dobro do preço — fiado. Nunca recebeu o pagamento. A perda o levou à miséria.

Decidiu partir. Com o que restava, foi ao Rio de Janeiro em busca de melhores condições para desenvolver seus talentos. Antes, realizou o sonho de ir à Europa, onde publicou seu único livro, “Rimas”, em 1911, na capital da República.

Ao retornar, em 1912, tornou-se secretário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e conviveu com os grandes nomes da literatura brasileira, como Olavo Bilac, Coelho Neto e Olegário

Mas o sucesso duraria pouco. Em 1915, dois dias antes de completar 42 anos, Aníbal Teófilo foi assassinado com três tiros na nuca, após um evento literário no saguão do Jornal do Comércio, na Avenida Rio Branco. O autor dos disparos foi o também escritor e político Gilberto Amado; autor e vítima eram deputados federais.

Anibal era aficionado pela flagrância do perfume “Idèal de Hubricant”. Olavo Bilac tratou de colocá-lo no corpo do poeta na hora de seu sepultamento.

Enquanto isso, Amado foi inocentado pelo júri e mais tarde tornou-se um destacado diplomata. Também foi eleito, em 1963, membro da Academia Brasileira de Letras.

Autor Júlio Olivar (julioolivar@hotmail.com)

Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.

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